Ela é perfeita

É uma frase que combato no discurso das minhas filhas, quando me mostram a fotografia de uma influencer filtrada numa performance de tik tok. E arredondam com um deslumbrado “é não é?”
Dou o desconto generoso da geração mas mexe-me nas vísceras que seja este o estandarte da perfeição.
Tanto elogio à diferença, tanta insistência no combate à desigualdade, tanto filme da Disney a emancipar o elixir da beleza interior, e depois acaba tudo numa espécie de kardashian…
Fico sem jeito, porque me parecem bonitas sim, lisas como a porcelana chinesa, finas como galgos de corridas, voluptuosas como ninfas, mas tão perecíveis como cada um de nós.
A beleza é uma maldição. A fealdade é um desatino.
Mas a perfeição não mora ali.
É uma alienação inatingível, um superlativo de efemeridade, um sopro de juventude, um caos passado a ferro e brilhantinas.
Claro que para elas, eu já abandonei essa corrida, sou dona de uma interioridade que ainda estranham, advogo uma intelectualidade que não lhes convém. Ouvem-me com a condescendência do lugar de filhas, não esperam que a mãe compreenda essa ambição, não me compete esse jeito de adivinhar o talento que tanta beleza carrega. Estou mais perto da minha apaziguada perfeição.
É um cartório colectivo cheio de culpados, um desmazelo ordeiro para o qual contribuímos, um bullying sereno que fazemos de nós para nós, uma luta que o tempo vence, por desgaste, por cansaço e por emancipação.
Já te terei dito porventura, o quanto me parecias perfeita, devia ter explicitado as linhas do teu caráter e a volúpia generosa das tuas imperfeições.
Não há ninguém perfeito minha filha. E essa Assumpção é o plano mais aproximado que alguma vez teremos com a perfeição.
Mas que às vezes me pareces, pareces. Uma apoteose de normalidade a caminho do advento do amor próprio pela tua imperfeição.
Assim te deseja esta mãe.