A verdade nunca fica doente

Não há qualquer semelhança entre o meu isto e isto.

O jardim é verde e espaço, o quarto não é muito grande mas tem trinco e temos uma casa de banho só para nós. Também temos gavetas nossas. Embora a sala seja modesta para tanta simultaneidade.

Não há cá ninguém que seja muito pequenino com excepção da minha impaciência, em ver tudo tão crescido, para que sobrem apenas as plantas e as vozes interiores.

Há até um excesso de cor que não acompanha o meu desejo de uma calma silenciosa a refogar sobre os cinzentos.

Parece-me sempre gente a mais. Para exagero basta-me o eu e os meus heterónimos em superávit.

Nunca há nada para comer, nem nada para vestir.
Toda a casa de um adolescente é o inverso da abundância.
E porque é que ainda há tanto comando a ser proferido? Sobre gente que calça quase o 39?

Já lavaste os dentes”, “come uma peça de fruta”, “seca o cabelo”, “ não andes descalça”, “ já fizeste os trabalhos”, “sai da casa de banho”, “vem jantar”,

Olho-me e percebo que há muita honestidade no tamanho dos meus pés. São os mais pequenos desta casa e tenho a certeza que ainda vão encolher.

Talvez eu tenha sorte e encolha com eles, até virar a formiga minúscula das histórias que lhes contava para adormecer.

Uma criatura fantasiosa e empoderada, estupidamente orgulhosa de roçar a transparência, com a capacidade de habitar qualquer lugar, bastando que se aninhasse num sapato de alguém que se mexe.

E assim, transportava consigo a inquietude do formigueiro sem nunca se render ao colectivo das formigas.

Já ela intuía que há sempre gente a mais e a verdade nunca fica doente. *

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