Nem toda a gente morre
Não sei quem é esta senhora, também não conhecia a Irina, e do Magazino tinha apenas alguns amigos em comum.
Mas, quando o DJ morreu, eu chorei violentamente na minha cozinha, agarrada ao Filipe. E eu não sou, só porque não sou mesmo, pessoa de chorar assim.
Tenho uma certa reserva com as minhas dores e um enorme reservatório com as que me são alheias. Mas de repente, pareceu-me tudo tão absurdo. E havia uma empatia, que no meu caso, tinha a ver com as palavras que ele escrevia, como se todas elas tivessem ventosas sobre as paredes da vida.
E quer ele fosse, bom ou mau, porque nós sabemos, que basta um diagnóstico de cancro para converter um homem num candidato a santo, não foi a doença que me comoveu, foi o desespero de se manter vivo.
Imagino-me assim, sôfrega de vida, sem saber a quem pedir o tempo que não me querem dar. O pânico, a incerteza legitima que tudo se fecha e se encerra, o escuro eterno, o fim.
E esta vontade tão viva, tão lúcida, de continuar a existir para as coisas que aprendemos a gostar, para as pessoas que aprendemos a amar e até para os erros que esperavam por nós.
E todos os textos dele, tinham essa força esculpida na sua interioridade. E eu desejava mesmo, que ele ganhasse a batalha, que mandasse a morte voltar mais tarde. Mas como diz Saramago “A morte que nos mata, morre connosco” é a única vingança possível.
E nós não estamos habituados a mais nada, senão a viver. E isto atrapalha-nos muito. Porque a nossa existência fica meio envergonhada pelo dom da permanência.
E sempre que morre alguém, cuja a história é badalada nas notícias, elevada no carinho e testemunho dos outros, há uma pequena derrocada dentro de nós. E não existem palavras honestas, que consigam emular essa ausência, no momento em que ela choca de forma absurda com a nossa existência.
E a coisa mais sensata, talvez a única, que ajuda a amenizar, o que nos tiraram, sem que nunca nos tenha faltado, é elevar o valor da nossa existência, como tributo a tudo o que parte.
Fazendo da dor um puzzle que produza uma verdade inteira.