Retrógrada

A mão é curta para suster a ausência de matéria, a comida finta-te entre molhos, as avelãs saltam do prato de cartão mole para desafiar as garfadas. E quando levas à boca, levas tudo. Abres a mandíbula e mastigas com força, ainda tens medo que a comida de fuja entre sulcos de respiração. Comes pouco, mas tudo te parece um excesso.

Encostada a um pinheiro manso, no desconforto do ombro amassado conversas. Percebes, enquanto tentas equilibrar o corpo de plástico com vinho, que o filho da puta do mercúrio está retrógrado no teu signo.

Poucas vezes sentiste a balança tão frágil. Partes com a mesma velocidade que engrossas, corres com a mesma desmotivação de quem trava, aceleras e fazes, corres e cansas-te.

À noite a cabeça roda perdida como o último gelo num copo de sol. Sentes zumbidos nos ouvidos e apertas o nariz, como quem cospe um novelo de merda, de um tubo de escape com um nó na ponta. De repente amas muito, e um segundo depois já não amas nada. Queres ir para o campo. És assaltada por uma fome bucólica de pedras, planícies e sossegos. Já não sabes se queres alguma coisa da humanidade. E dúvidas que ela queira alguma coisa de ti.
Sentes-te doente, inútil, apática. Sorris ao acaso para o acaso. A felicidade fica suspensa como uma criança órfã de braços estendidos a pedir colo. É deixar fluir, entrar e esculpir. Parece que todos sabem e todos sofrem. Aceitas a explicação, dá te jeito às dores não andares tão perdida.

Não tomes decisões, reforçam. Fecha as janelas dos teus múltiplos airbnb’S. O lugar agora é aqui. Lá para 24 o mercúrio vai para as Seicheles.

Por esta altura já devíamos ter aprendido que não há nada mais miserável que querer ser sempre feliz.

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