O fio do tempo
Estão nos a puxar o fio do tempo. Morrem cada vez mais pessoas da minha idade, da meia idade, parece que ficaram pausadas no tempo, à espera que me abeirasse antes de saltarem para o vazio.
Não os deviam levar assim, assim não, tão cheios de coisas para fazer, deviam esperar que esvaziassem os bolsos dos sonhos, os caramelos até ao fim.
Ponham uma tampa nesse buraco que vaza doença.
Há corpos que não aguentam tantas batalhas.
Não me sabia tão velha, sabia-os sempre tão novos. A morte acerca-nos.
Mas está tudo bem, tem que. Devemos deixar que nos fareje sem mostrar medo. O tempo é curto, dizem-nos isso a toda a hora. Removeram-nos do grande gerador materno quando nos cortaram o cordão, a partir daí, a morte nunca foi mais convidada para o baile da vida. Foi o nosso bullying fatal, desprezar quem sempre nos espera. Viver entretidos como se a vida fosse feita de uma eternidade estranha e descomprometida. Devíamos ter convidado a morte mais vezes a visitar-nos nos dias felizes, respeitando a liberdade que nos oferece enquanto aguarda paciente a sua vez. Aquele lugar vazio à mesa é a cadeira onde nunca a convidaram a sentar. Da minha parte, peço genuínas desculpas à morte, por só me recordar dela quando nos ceifa uma vida.