Da Morte

Morrem cada vez mais pessoas da minha idade, da meia idade. Às vezes parece que ficaram pausadas no tempo, à espera que me abeirasse antes de saltarem para o vazio.
Não os deviam levar assim, assim não, tão cheios de coisas para fazer, deviam esperar que esvaziassem os bolsos dos sonhos, que comessem os caramelos até ao fim.
Ponham uma tampa nesse buraco que vaza doença. Há corpos que não aguentam tantas batalhas. Não me sabia tão velha e sabia-os sempre tão novos.
A morte acerca-nos.
Mas está tudo bem, porque sem ela a vida era uma aborrecida eternidade, tão vazia até do seu contrário.
Eu não a conheço. Mas acho que devemos deixar que nos fareje, tesos.
O medo é um olheiro da morte.
O tempo é curto, dizem-nos isso a toda a hora. O que não nos dizem é que ele é ainda mais curto para gente curta. E que a morte só vem dar despacho ao que a dor e o tempo já reinvindicaram para si. Essas sim, são as hienas. Cuspiram-nos para a existência e a partir daí, a morte nunca mais foi convidada para o baile da vida.
Foi o nosso bullying fatal.
O mesmo que fez do convite extraviado da Cinderela, uma bruxa má. Não é bonito desprezar quem sempre nos espera. Os pais envelhecem a queixar-se da mesma ingratidão. Não devíamos andar para aí entretidos, como se a vida fosse a nossa única vocação.
Devíamos ter convidado a morte a visitar-nos mais vezes, nos dias felizes, respeitando a liberdade que nos oferece enquanto aguarda paciente a sua vez.
Devíamos trazê-la para o recreio, para os jogos e para as conversas de criança. Afinal de contas, quem é a fada dos dentes, senão uma adjunta da senhora da foice que troca dinheiro por tecido finado?
E aquele lugar vazio à mesa ?
E a cadeira onde nunca a convidaram a sentar?
Da minha parte, peço genuínas desculpas à morte, por só me recordar dela quando nos dá um defunto, proscrita que está, de todo o assunto da vida.
Prometo tentar recordar-me que todos os dias que saldo são uma coincidência generosa do nosso desencontro. E vou-me preparar com carinho para que na última ronda, eu seja um peso pesado que lhe lembra a sorte dos músculos que ganhou em vida, por ter arrastado tanta gente antes de mim.

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