Mal de Mim

Vou já adiantar o texto, que o mercúrio vira hoje, mas nunca se sabe onde pode ficar encravado.
Fazes anos amanhã e como somos mais hiperrealistas que supersticiosas, vai já os meus parabéns, primeiro a mim, que consegui desovar na terra uma criatura tão singular e a ti, que és a própria da criatura.

Tem muita graça que digas que nunca digo bem de ti nos textos que escrevo. Obrigou me a ir relê-los, é curioso que encontrei uma honestidade absoluta em todos eles.

Talvez não seja elogiosa em excesso, nem te bajule com adjectivações, nem te leve em braços para agradecer ao cosmos a dádiva da tua vinda e a celebração. E se não o faço é porque me partes a cabeça, porque tens um feitio esculpido nas escarpas e fazes da tua tempestade interior uma chuva de meteoritos que perfura as paredes de todas as divisões.

A tua excepcionalidade é um segredo faraónico e o melhor de ti, só vai para os garimpeiros da alma e os arquelogistas do amor. Não dás fácil o que tiras fácil.
É verdade minha filha, tem dias em que ponho as mãos à cabeça e sinto-me predisposta a chorar em todas as línguas de Babel. Mas não desisto, conheço esse sorriso enorme que os dentes não te deixam mostrar e sei da tua obsessão pelos sonhos mais “fora”. Sei que adoravas viver descalça numa cabana rústica no meio de uma natureza densa e que te pesa a via sacra da adolescência, onde se exagera sobre tudo o que não queremos ser. Olho para ti e vejo-me, não no loiro dos caracóis ou no nariz arrebitado, que não me pertence, mas nessa luta desesperada entre a verdade do que somos e o que a sociedade espera de nós. Talvez ainda não tenhas discernido que as tuas dores são tão poéticas como as minhas. E que isto às vezes parece tão estupido que não faz o mínimo sentido andar sempre a sorrir. Não faço a mínima ideia em que é que te vais tornar. Mas sei que para mim és aquele marcador de livros que lembra que há capítulos da vida que temos que mastigar.
Dizer que te amo, já sabes. Que te acho um jogo sem fronteiras para consumir com um paracetamol e que és seguramente muito importante para tudo o que sou, repito-te.
E também sei que sabes ler neste texto o tanto que gosto de ti.

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