Na Noite não se aprende nada…

Foi uma frase de fundo que me perseguiu a adolescência e que antecedia cada sentar na mesa de família no almoço de todos os domingos. Ensonada, arrepiada e desbotada.
Desejosa que não interagissem comigo, de cabeça baixa tentando camuflar-me nas travessas de comida.
A minha mãe quase não nos deixava sair. Era dessas mães que fica de olho aberto, deitada na cama com os braços cruzados à tutankhamun.
Acordando a cada sobressalto, arrepiada com a ideia de que o telefone pudesse tocar, com aqueles relógios de ponteiros fluorescentes a contar os minutos como estalidos de boca.
Nunca cumpríamos o recolher obrigatório, faz parte do mandato da juventude a perda da percepção do tempo.
Entrávamos sem sapatos penteado o chão a pente fino, mas ela estava sempre lá, encostada à parede de roupão. Resmungava qualquer coisa desarticulada do tipo “é a última vez” mas estava feliz por estarmos em segurança e sabia que agora podia dormir. Éramos 4, com tribos diferentes e horários diferentes. Imagino que durante 10 anos tenha contado o tempo naqueles ponteiros fluorescentes.
Eu não sou assim, sem complexos ou orgulhos, este meu pedaço de Adn sai todas as noites desde que tocou para o recreio do verão.
Boas notas, bom carácter, boas falas são a partitura que preciso para lhe dar livre trânsito da diversão. Durmo que nem uma pedra, nas noites que bebo ressono, e não me lembro de acordar em sobressalto com medo que a noite engolisse os meus filhos.
Vejo-a inebriantemente feliz, saltando de festival em festival, de tenda em tenda, crescendo nessa noite que me diziam não ensinar ninguém.
Não a obrigo aos almoços de domingo a camuflar-se em travessas e diplomacias. Às vezes sinto uma saudade enorme de a abraçar e quando a ocasião aparece, afundo a minha cabeça nos seus ombros, cheiro-lhe a pele e inalo aquele travo balsâmico com que a Liberdade perfuma quem a agarra e respeita.
A noite ensina muito, até nos sonhos de quem poisa a cabeça cedo. Estar acordado para a vida é uma equação que quebra a barreira do sono, do som e do protocolo da vida.
Eu já prefiro a madrugada envergonhada dos dias, mas entrego-te sem medo aos braços estrelados da noite.

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