Os Miseráveis
Olha Catarina, isso, no fundo e à superfície, não importa nada.
Eu não te conheço, tu não me conheces. Nem sei como é que dei de caras com a tua indignação.
Não sou de fofocas, as redes enfastiam-me cada vez mais e a cabeça nunca repousa nessas porcarias que os outros chamam “leves”, os quase “nadas” que importam muito.
Fui atrás da pista é impossível não seguir as ondas desse cabelo. Nem havia redes quando pari a minha primeira filha e levei para a maternidade uma boa bisnaga de auto bronzeador. Tive um parto fácil, não me cortaram nada, excepto o cordão umbilical mas sentia-me um saco de farinha roto.
Levantei-me à pata choca, peguei numa bolsinha de maquilhagem e devolvi-me a dignidade ao espelho. A possível.
Soube me bem!
Tornamos-nos insuportáveis Catarina. E tu e eu, temos uma quota parte de responsabilidade, boa ou má nisso, seja pela vida boémia ou pelo apego de tudo.
Mas a culpa não é nossa é desta corrente que fez de toda a história real uma história de sofrimento, como se nada fosse autêntico se não fosses miseravelmente infeliz, copiosamente queixosa e fisicamente destruída.
Deixámos de nos saber alimentar de histórias felizes, baixamos a bitola da credibilidade da felicidade, tornámo-la inacessível.
Livra-te agora de provocares as massas com o teu ar sanado em pose de sereia sobre a cama articulada. Tens que ser macerada pela dor, chorar de comoção, mostrar a pele resvalada, o corpo esvaziado que só se vai encher de amor agora, que te completas com um filho. (Nunca antes) senão não levas com o selo de qualidade da “vida real”. Porque real é ser gordo, quase feio e tendencialmente infeliz.
Ou tens conteúdos para provar isso ou tens que te atirar para a arena com uma história de sobrevivência: a menina que na infância era gorda, a mãe solteira, o pai ausente ou o irmão autista. E se a isso somares um bocadinho de interracialidade então🙌🏼 estás quase lá. Mas bom, estrondoso e epopeico, era estares descabelada na cama, num quarto partilhado com refugiadas ucranianas e vir, não o teu marido, mas a tua namorada cabo verdiana, com uma cachupa no braço disposta a alimentar a fome do mundo.
Somos miseráveis Catarina.