Casal Late Vintage

Estou a trabalhar esta semana no Algarve em modo protagonista, que é coisa que me sai mais do pêlo que da atitude. Gosto mais da inquietude atrás da câmera e da caneta.

Tenho fotografado cenários e pessoas incríveis, mas este casal encheu-me as medidas, e assim que me deram folga para um café a solo, sem encenação ou narrativa, foi aqui que os meus olhos se fixaram.

Neste casal de velhotes na casa nos noventa a almoçar em Olhão, requisitando para cada um uma meia de vinho. Ela no branco, ele no tinto.

Ele ria, ela mandava vir. Quanto mais ela mandava vir, mais ele lhe enchia o copo e sorria. Comentei com o Filipe que queria envelhecer assim com ele, nesta compreensão líquida que o tempo tem massacrado, sem conseguir preservar.

Depois disse-lhe que se a esperança média de vida de um homem são 78 e as mulheres 82, que os casais que vão a prolongamento não deviam pagar mais nada.

Que se o acaso ditasse, que tivéssemos a comer no mesmo local que um casal destes, a conta deveria ser rachada, por todos os que têm a sorte de ser contemporâneos deste momento.

E que isso devia acontecer sempre. Porque a perseverança é rara, porque o que representam, suplanta qualquer condição económica e social, e porque é o justo equivalente de um cachet artístico, como se fosse um dueto de amor que canta só para nós.

Porque eu vejo a ternura dos olhares turistas sobre aquela mesa, porque não me interessa já o passado que carregam, mas o futuro que anunciam num presente de perseverança.

Sou pela medida, alinho-me neste propósito de contribuir para um imposto sobre a resiliência e o amor, aguardando que um dia chegue a nossa vez, de pedirmos uma de tinto para ti, uma de branco para mim.

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