Egoísta

Há um espaço de oxigenação tão bom nesta casa, que sinto-me produtiva só pelo facto de respirar.

Gosto disto assim, só para nós, sem a nossa ruidosa descendência, murados, isolados, de frigorífico cheio, de livros na mão, com uma televisão grande para as séries escandinavas, com frigideiras anti aderentes para os cozinhados da minha imaginação e as luzes no jardim que se acendem quando a noite cai, como pirilampos programados só para nós.

Gosto do silêncio que a casa faz quando apagamos as luzes à noite e subimos para o quarto. E o nosso xiu é apenas uma intermitência de respeito pela tranquilidade disto tudo.

Aqui, eu oiço a água do duche a cair no chão e demoro-me de cabelo molhado a deambular pela casa com um copo na mão. Sou já fantasma de memórias, tão etérea, tão serena, a massajar o tempo no corrimão, a escolher o próximo canto onde me vou aninhar.

Aqui não sou nada.
Há poucos sítios que nos devolvem esse poder.

Adoro pessoas e conversas, mas aqui, aqui eu sinto-me tão bem só.

Hoje estava mau tempo e fomos ver o mar, mas eu queria voltar para casa rápido, para me encolher, como um molusco já saciado pelos distúrbios do mar.

Aqui vou sepultando os livros que fecho com o suspiro prolongado de um vulnerável adeus.

Aqui sou amputada a um poema e enxertada num romance. Aqui não reza a história, mas há uma inegável presença de Deus.