Pratica o desapego
Nem sei bem porque é que adoptei o termo, ou talvez saiba bem demais, porque me é conveniente praticá-lo.
Quando escrevo sobre o desapego não é no sentido profundo, do abandono da vida mundana, nem na negação absoluta das superficialidades da vida. Aliás à medida que me complexifico como pessoa mais valor dou a uma certa dose epidérmica de felicidade, que não tenha que ser tangível ao nível do Nirvana, nem intangível no alcance imaterial dos sonhos, no anti-consumo, na academia do bem…nem no abandondo declarado dos entes queridos, mesmo quando eles não são assim tão queridos para nós.
Desapego é Sucesso confirmado sem fadiga, é fome sem filtros, é sede sem contenção é sexo sem servidão. Desapego não é contenção, é extroversão. Livre arbítrio para a formação menos benigna das paixões. Desapego não é poupança e só é ecológico porque não pressupõe desperdício, pressupõe usufruto, consumo completo, casa cheia, 100%. Desapego é viver só para o que nos apegou à alma, uma escravidão voluntária ao que nos faz felizes.
Adoptei o termo, mas talvez tenha sido adoptada pelo termo em si. Como o ovo antes do Pavão.
Desapego é metáfora bonita, palavra erudita para um pacto generoso com uma certa dose de egoísmo. No mundo que reclama verdade sem artifício, imagem sem filtro, o Desapego surge como a receita perfeita para o embrulho da vida. Há mais vício no desapego, que cafeína num gurozan, mas isso não o torna material sintético. Todo o homem que vive a sua verdade é na sua medida um um homem livre. Livre-nos o criador, que nesta tão curta passagem, não possamos escolher o peso da mala da nossa viagem.
Escolho assim o Desapego, aquele que me define, sem que o saiba bem definir, que é quase como descrever a precisão de um orgasmo, ou o marasmo de uma paixão que se extinguiu. O concreto aflige-me. Sempre fiquei muito agitada com o conceito de unidade, por estranho que pareça, sempre fui melhor no cálculo fraccionado e nos números primos. Já no português, sempre quis ser tudo, de Determinante a pronome possessivo, advérbio e verbo irregular com tudo o que fosse possível do pretérito mais imperfeito.
Desapego não é coisa adulta, porque perderia a graça, de maioridade só o espaço dado ao erro, para que da aprendizagem se faça prática.
E mais não falarei sobre o Desapego como definição, para que não fique murado de objectividade.
Talvez fique a perceber mais do que pratico, nesta levada de histórias que partilho, naquele declive perfeito entre o Real e a ficção e deixo à vossa consideração profícua o enriquecimento possível da sua definição.