ÍNDIA

 

| ONDE É | Deli, Calcutá, Agra, Varanasi, Bodh Gaya, Darjeeling.

| QUANTO TEMPO | 22 dias

 

” (…) É cor, crença, magia e cremação. A Índia é sabor, história, mágoa, energia e salvação. ” 

 

“Porra!”: Foi a primeira que me ocorreu quando me pediram para definir a viagem numa só palavra. “Porra” nem é coisa que diga muitas vezes. Sou mais do “caraças”, mas precisava de uma palavra com mais condimento e desnível. Afinal não é frase de pinterest, nem mito, a Índia marca. E que marca. Multi marca.

Diziam-me muitas vezes, que a Índia, ou se ama ou se odeia, eu não gosto de sentimentos contrastados, acho que dá pouco equilíbrio andar nas extremidades da vida. O que a Índia faz é provocar em simultaneidade esses sentimentos. Amar e detestar ao mesmo tempo uma coisa.

O país  não tem nada a ver com essa ambiguidade, vulgarizada, por quem não sabe dizer mais. A Índia merece tremendo respeito: Porque é enorme, ambígua, diversa, gigante, marginal, sobrepovoada e eu só escolhi ver uma parte. Não posso albergar o todo nessa parte. Falo apenas do que (vi)vi.

 

 

A Índia bate. Metes o pé no chão, penetras num arco-íris, e és arrastado por um folclore sensorial que só te deixa aterrar, atordoado, meses depois de já estares em casa. Deixem-me curtir o pião. Como quem não quer ser acordado de um sonho que te faz suar a frio o que viveste a quente.

A Índia é um sonho marginal. Deli, Calcutá, Agra, Varanasi, Bodh Gaya, Darjeeling, são cidades, todas elas diferentes, milenares, imponentes, contrastantes. Não em todas, mas em algumas delas, vê-se muita miséria: Crianças amputadas, a pedir na rua, sem-abrigos tombados nos passeios, milhares de mendigos a viverem debaixo de panos e panelas sujas, na miséria mais estreita, dos passeios mais largos. 

O sistema das castas foi abolido em 1950, mas ainda governa a ferros sobre uma sociedade hiper estratificada, se tens o azar de nascer “poeira dos pés”, serás poeira dos pés toda a vida, porque o sistema de castas não permite casamentos que não sejam no mesmo degrau, mesmo em bicos dos pés.  Estima-se que 30% da população indiana esteja “classificada” neste patamar. São 1,2 biliões de pessoas é só fazer as contas aos párias.

 

 

Mas Índia não é poeira, é cor, crença, magia e cremação. A Índia é sabor, história, mágoa, energia e salvação. É um país que nos governa a alma pela forma como nos desgoverna o corpo. De uma beleza que arrasa, de um desmazelo que fere. É um país que separa a essência do essencial e que os forja de novo em cada esquina.

E já que estamos no humano e absolutamente essencial, deixem-me que vos dê a minha opinião em relação aos “indispensáveis” num kit Norte Índia.

 

 

Vamos lá fazer a mala:

Imodium e buscopan (mesmo que tivessem que largar a pasta e a escova de dentes). Ninguém sai ileso da Índia, e não me venham com a lengalenga, que colocam gindungo nas papas de aveia, porque o picante é apenas um apontamento sensorial no buffet de degustação indiano e o “Garlic Nan” não afoga tudo o que vais sentir, quando o gengibre se mistura com o açafrão, a canela e as natas quentes de leite, de um mamífero qualquer, num arroz branco que comes com a mão.

Antibióticos de toma rápida, daqueles tipo red-bull (nunca se sabe ou já se sabe há muito). E não vais querer comprometer a metafísica da viagem com o esgotamento físico. Não é um Nirvana conciliável, acreditem.

 

Venham com os vossos medicamentos, prescritos na consulta do viajante (que não fiz) mas conseguem comprar em qualquer farmácia aqui: unidose, packs de 12, de 6, é só escolher. Os Ipubrofenos são cor de rosa choque, o equivalente ao Ben- u-ron é verde alface e os Imodiuns são laranjas, parecem comprimidos de BOOM, mas o efeito está todo lá. Garantido por uma médica que viajava com o grupo, não parecia ser dada a drogas e era muito informada

A conversa do cocó é uma constante, porque os colegas de viagem vão caindo como castelos de cartas, e tu só rezas, para te bater tudo quando tiveres na posse de uma retrete inteira. Na Índia mundana, naquela que alberga 1,2 biliões de pessoas, não há retrete, há buraco, latrina, vórtice no chão, pézinhos de lado na humidade peganhenta dos fluidos acumulados e aqui vai disto. Preferia árvores, pneus de carro, mas na cidade não é fácil praticar o agachamento. Levas rolo, toalhitas e desinfectantes para o buraco, que escondes nos bolso, porque tens vergonha que os indianos pensem que és uma “cocózinha” só para não largar o tema. Mas quando entras no castigo tens um trinco de ferro enferrujado e húmido, paredes sujas, não tens qualquer base ou cabidezinho de porta para segurar, e vais ter que baixar as calças, que com os bolsos pesados perdem a altitude que precisavas para não roçar o chão. Levantas as calças com os bolsos enrolados e toca de agachar como nunca fizeste no ginásio, com os cotovelos alçados para manter o equilíbrio. Vai escorrer pelas pernas…mas que se lixe. Era impossível que nada se lixasse aqui.   

 

 

Toalhitas fininhas, papel higiénico (tipo rolo espalmado ou lenços de papel. que assoar com toalhitas assa o nariz e toalhita entope tudo, soro fisiológico (que o teu ranho fica castanho e preto da poluição). E se apanhares o Holy fest  (ou Festival das Cores é um festival realizado na Índia todos os anos entre Fevereiro e Março, que comemora a chegada da Primavera) tens Macacos do nariz arco íris. Há sempre um lado colorido quando a coisa parece começar a ficar cinzenta. Essa é uma das grandes magias da Índia.

Chinelos (só para o banho, no caso de pernoitarem nestes sítios amorosos onde me estico e durmo. Não vão querer andar a chinelar pelas ruas de Deli e Calcutá. E eu sou uma devota do pé preto. Há toda uma Índia de luxo e casta alta que me passou ao lado.   

 

 

Saco-de-cama (para tudo e mais alguma coisa), toalhas de banho de seca rápida, secador de cabelo de viagem (vão por mim), amostras de gel de banho, não vão querer esfregar-se com o sabonete aberto que está no lavatório da vossa casa de banho e spray para mosquitos.

Dá para fazer voos internos, desconheço os preços, mas se quiserem sentir a Índia real têm que apanhar um comboio. A rede ferroviária da Índia cobre todo o comprimento e largura do país, são  63 140 quilómetros em carris. É a segunda maior rede ferroviária do mundo, e transporta de mais de 5 biliões de passageiros por ano. Mas o comboio indiano não é o expresso oriente, é mais “carrega” e anda e “andar carregado”.

 

 

O conceito carruagem fica muito a desejar, as distâncias são longas e os beliches três por lateral de carruagem, ganham uma volumetria humana e uma intensidade, que ficas na imediata disposição de arruinar o teu visa num helicóptero (fosse isso possível).

Existem classes, mas só com meses de antecedência é que consegues assegurar um lugar bonzinho (e atenção às expectativas). Vais adormecer, porque vais estar 3/6/12 horas à espera de um comboio atrasado, porque estás com fome e porque o desmazelo humano das estações é de tal forma impactante que faz o efeito de um drunfo. Quando te consegues encaixar no beliche que te compete, não mexe! Respira o caril, o suor e reza a todos os deuses hindus para não ter vontade de ir “àquela coisa” que eles chamam wc. Porque, se é difícil parado num café de uma cidade, imagina a latrina em movimento”pouca-terra”, “pouca-terra”…

 

 

Mochilão gigante para as compras (mas tb compram malões 50 litros / Northface por 20€ se derem um pulinho ao Nepal e aqui também, não faltam imitações: Tapetes, máscaras, Jóias, panos, écharpes, calças, saias hippies e tecidos. Aliás, quem quer praticar o desapego no seu climax, não traga muita coisa, quase nada e compram cá tudo, quase tudo.

Atenção: Vendem-se mais partes de baixo que de cima (para mulher). Não há t-shirts nem tops para senhora. E “saris”só se forem muita boas nos puzzles e na paciência. Há milhões de videos no youtube só para ensinar a vestir: https://www.youtube.com/watch?v=Umm-xHHdlbU

Headphones e boas playlist são obrigatórias (tão heterogénea de preferência, como as pessoas que viajam comigo). Vais precisar de música como um paliativo, um bálsamo, um acórdão dos deuses. Vai ser o teu azeite auricular.

 

 

Botas de montanha, acima do calcanhar para calcorrear as ruas, e sobretudo, para que no agachamento da latrina não pingues os tornozelos. Uma garrafa de Água-bio para ir enchendo (gastamos litros por dia, com o calor, o fumo e o picante). Não custa ter um bocadinho de consciência ambiental num país que tem tantas lixeiras a ceú aberto, como monumentos na rua. É um dos maiores poluidores mundiais, vão ter acesso à estatística na primeira tosse.

Para quem gosta de fazer story-teliling digital, como eu, ou para os viciados da net, aconselho a compra de um pequeno modem e quando aqui chegam, compram um cartão SIM e é sempre a bombar!

Quanto à comida… é um capitulo que ainda não estou preparada para abordar. Paraíso vegan para amantes de especiarias: Ou arde ou sabe a doce, como as paixões que ficam. Não sei se estou a comer a sobremesa ou se é um molho de entrada…Vacas sagradas, porcos inexistentes, galinhas magras…vais dar por ti a sonhar com secretos de porco preto. Abraça a aventura do palato e esquece a street food (é muita cool) mas só com extintor e 10 omeaprazois.

 

 

Se, com este relato sucinto, pessoal, objectivo mas adjectivado, ficaram com vontade de ficar em casa, é porque não sabem o bom que é andar em equilíbrio ténue na ponta do arco-íris. A Índia não é um pais que se contorna, atravessa-se. Se gostam de viajar, se querem ver Mundo, têm que abrir esta janela, dar o palato ao picante, o corpo ao desconforto, o esqueleto aos abanões do comboio, os olhos à apoteose da cor, o olfacto ao emaranhado de cheiros, a pele ao arrepio da humanidade e a alma ao rasgão, talvez seja esse mesmo, o caminho para o Nirvana.

Que veleidade pensar que se atingia a essência da vida, sem ir ao essencial do desapego.

Namastê.

1 Comment
  • Olá Gang, adoro as vossas histórias e as imagens.
    Aguardo sempre ansiosa por ver mais e mais imagens no insta, como por aqui.
    Bons trilhos.
    Bjos Teresa

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