Um para a Alice, outro para mim.
Ontem entreguei-me a uma experiência controlada com psilocibina, vulgarmente conhecida como cogumelos mágicos.
Já sou crescida e, não preciso deste preâmbulo moral, mas para efeitos da descrição da viagem, é bom referir que foi a minha primeira vez.
No ambiente controlado no nosso jardim, um tapete marroquino no chão, a cabeça alcachoada e água, muita água.
Primeiro, ficas como uma espécie de otario, a fixar pontos avulso à espera que bata. Demora quase uma hora até veres a relva a ondular, as folhas caídas transformam-se em peixes, a terra ganhar a volumetria das mãos de uma velha, a natureza a respirar.
Tudo tem ritmo da batida de um coração, não há monstros, nem medos. Fechas os olhos e as tuas pálpebras são transparentes, nunca viste tanto.
O corpo fica invertebrado, nem te dás conta se te encontras deitado, ou se Viajas de pé. Esquece tentar ser objectivo, resgatar o trauma ou pensar que vais revistar decisões passadas com a maturidade de uma anciã.
Tudo acontece fora de ti. Numa signifancia quase comovente, que te lembra do grau de circunferência das coisas que podes verdadeiramente tocar.
As cores tornam-se vividas, tão absurdamente vividas, que qualquer erva daninha é um farol de cor.
As extremidades ficam dormentes. Tanto faz se estás sozinha ou acompanhada, ficas queda e muda, fascinada com o convite das estrelas para seres parte de um cosmos maior.
Pegas num caderno e escreves, mas a lei da física é de vistas curtas para a energia da imaginação e acabas só, por escrever pontuação.
Umas horas depois, fechas os olhos e mergulhas num infinito de padrões, um caleidoscópio singular. Estás no interior de ti. Perdes a noção do tempo e da companhia.
Nada te falta verbalizar que não seja dito somente pelo que vês.
Ganhas uma fome imensa e um torpor. Saltas da física quântica para o desejo incontrolável de um bife à portuguesa com batatas fritas. E sorris.
Sorris com a cara toda como se só agora soubesses que a vida é um orgasmo, que perdura muito além do prazer.