Tenho uma amiga que

Essa amiga sou eu.
Na verdade, já não preciso de subterfúgios periféricos para falar a verdade, nem inventar personagens que vivam as histórias por mim.
Presente singular.
Mas tenho amigas “que” e amigas “que” ainda não.
As amigas que, são um inteiro de gente boa, que deixou de ter medo de envelhecer e passou a maturar. São mulheres que refogam as dores nos seus cozinhados e se alimentam dessa destreza, mastigando vezes sem conta a sua própria placenta. Essas amigas são donas de si mesmas; não se contabilizam em número de prazeres, nem se ajustam na poupança para futuros melhores. Essas são as amigas que falam à boca cheia dos seus vazios. Que perderam o medo de falar, porque perderam o medo de sentir. São amigas que são. As amigas que ainda não, não são suas amigas.
Demorei algum tempo a conciliar-me com a beleza e a justiça disto tudo. Parecia-me tão antipático que o corpo engravidasse de marcas, massacrado pela gravidade do relógio, molestado pela pressa, deixando tantas amigas sós.
Esta amiga já não acumulo pó nas entranhas, nem encolhe a barriga enquanto faz amor, substituindo o prazer pela gestão da dor, a dor que chama “burro”, tornando-me burra também. Já não tenho “uma amiga que” essa amiga sou. Abrigando-me a obrigar-me de ser sempre eu, mesmo que muitas vezes não esteja certa do que sou.
Presente singular.

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