Push to Open
Amor, entre nós os dois só pode existir um abre garrafas.
O resto, abrimos nós com o carinho com que o tempo nos vem ensinando a esperar.
E não vale querer a pressa de todas as rolhas, porque é de bom tom deixar repousar, que o tempo não faz o mesmo por todas as matérias. E mente quem diz que as rugas não marcam o coração.
Amor, dizem que água é que mata a sede. Começa aí o perigo de rodar.
Há falta de água mas sobram torneiras. Mas nós sabemos que a seca é o desnível de tudo.
Se medissem a distância entre as veias e o coração não sabiam encontrar ancoradouro.
Eu cá gosto do manuseamento clássico, da descida espiral, da perfuração lenta, da força certa. MUITA UVA PARA O MEU CAMIÃO
Gosto das gentes do vinho, da malta das comezainas, dos afiliados dos petiscos, dos campeões das tascas, dos rendidos à comida de forno, dos saloios que nos ensinam a comer, das pessoas que nos abrem a porta das adegas e do coração, que nos convidam para casa, que nos enchem a pança de histórias e farinheiras.
Gosto dessa gente que se banqueteia, que coloca o ovo mexido na fatia de pão fresco, que serve no copo quando não há prato, que se delicia a lamber os dedos e as colheres de pau. Gosto de fumeiro, de fumados, de licores e preparados, de caldos e composições e das dietas que ficam para depois.
Gosto de meter a mão no composto, de podar a vinha, de calcar carbono e saber que há gente que cuida da terra como um filho agradecido que não larga a mão da mãe.
Que retiram e dão de volta, que tratam o todo, com o pouco imenso que dão, que perceberam muito antes de chegarem os doutores que é a natureza que nos nutre e é a ela, que devemos toda a gratidão.
Gosto das gentes das carnes e dos legumes, dos azeites, das poedeiras e dos alguidares. Gosto de gente que atravessa a estrada para colher coentros, e ovos frescos, que não tem medo de falar adjectivando e desafinar cantando.
Gosto do que o Oeste me trouxe ontem, e do que a vida me dá hoje para digestão.
Gosto das manas sem nome, num colectivo de mafia e amor.
Gosto dos bolbos que escondem florestas.
Gosto de adorar fazer parte disso e ter tanta pena de partir.
Gosto de ser família em casas longe de casa e a noção de ter dado ao tempo o melhor dos predicados.
Obrigada por nutrirem o meu coração saloio.
Gosto do golpe gentil da pressão sobre os dois braços e do puxar para cima para chegar ao fundo.
Amor, entre nós os dois só pode existir um abre garrafas.
A terra ganha grumos, nós ganhamos calo. Há quem já use picaretas para bombar do coração.