Estou em reunião. Ligo mais tarde.
Vais no carro, acedes à tua lista de favoritos, e vai de ligar, por ordem de paciência, ao amigo que mais condescende com a pacóvia conversa das tuas dores.
Aqueles desentendidos que se fazem entendidos por obstinada amizade, ou por processo, em curso de dívida, para com a mesma dedicação a juros com que um dia os brindaste.
Aqueles espertos, capazes de decifrar interjeições, manobrar frases poéticas sem asfixia, enfrascar-te em sedativos pela simples pronúncia das palavras certas.
Chamo-lhes os detetives de homicídios, aqueles seres de escuta activa que pressentem o cheiro a sangue na alcatifa das tuas dores.
Que compreendem a angústia do cluedo, de ter mais pistas que certezas, numa injusta distribuição de culpados e dores.
Na verdade, quando dói disperso, só sabes explicar que houve coisas, que sentes cenas, pequenas imprecisões, fodidas coincidências, sensibilidades várias.
Pode-se dar o caso de estares mais susceptível, mas os amigos fazem volteio na tua fraqueza. És o campeão do hipódromo.
O que agora te parece errado há de ser imortalizado em anedota, passado a ferro pelo endireita da vida.
Onde não há justiça também não há amor.
E se te queres consolar, karma, doses lascivas de karma atiradas como sementes sobre o chão.
Porque quando a dor te apanha em flagrante a língua é todo um AVC.
Balbucias: É a matéria de que somos feitos quando as dores não têm nomes próprios.
Vamos tomar um café. Dizem. Consolam-te atirando para o caso, o ocaso de um momento igual.
Não estás sozinha. Reforçam.
Há dores que cheguem para os mortos todos do chão. Já não há nada a dizer e ainda tens medo de desligar.
Não estas capaz de mostrar interesse mútuo e o diálogo encerra-se com um “não te esqueças, eu estou aqui”.
E o corpo?
Perguntas tu?
Enquanto a imaginação desenha a giz os contornos da tua execução.
Agora não posso falar, estou em reunião.