Estás aí?
Vim a solo à praia ter uma conversa com o criador.
Andei 6 kms para me afastar o mais possível das pessoas e dar ao Senhor a privacidade que uma conversa desta natureza requer.
Pus me a olhar para o mar, e o criador todo vaidoso mostrava a espuma, a força das ondas, o recuo e o avanço das marés. Varria para frente com conchas e búzios, remava para trás com algas e espuma.
Sim senhor, não há dúvida que é obra de coisa maior.pensei.
Depois olhei o céu, a força do sol a brincar às escondidas com as nuvens, os formatos feito pinturas, a abstração disforme e o equilíbrio do caos distribuído sobre uma camada de azul celestial.
Voltei a dar razão ao cosmos e inclinei-me numa vénia.
Estava tão entretida com a primeira parte do espectáculo que nem reparei que uma onda rasteira me engolia os tornozelos. Pressenti o poder do fresco sobre o calor, a governança sobre a temperatura, o poder do inesperado, a minha impossibilidade de reação, o meu tamanho minúsculo no universo.
Nova vénia.Andei mais um quilómetro e sentei-me. Queria te olhar olhos nos olhos, mas não sei onde os tens.
Dei a minha face ao sol e colhi os restos de calor nas minhas palmas das mãos. Pedi-lhe que aparecesse, que se fizesse ainda mais tangível que os oceanos, as correntes e as nuvens.
Confirmei-me com o silêncio. O mar é um belíssimo som de fundo.
Pedi-lhe então que ao menos condescenda em mostrar-me o genérico, senão agora, então na hora da minha morte.
Quero saber quem é o director de fotografia, o argumentista, o realizador, preciso de não morrer na ignorância de ser apenas um acidente do acaso cheio de sentido de propósito.
Esperei.Começou a aquecer. Tirei o casaco e deitei-me na areia. Olhei para cima e depois pensei que isso é um clichê, o criador pode fazer morada num grão de areia e num atacador. Não obtive respostas. Talvez tenha sido demasiado inquisitória? Talvez tenha que regressar mais vezes, talvez eu não exista, talvez tu não existas também. Ou Talvez tudo exista sem necessidade de confirmação.Andei mais 6 kms de volta, pedi um copo de branco e umas azeitonas, senti os pés molhados e brindei a nós. É preciso ter coragem para amar assim.