E o livro Isabel?

Quando Joan Didion diz no fim da vida, a propósito dos seus livros “está paga a entrada para a vida noutro mundo”, comovo-me. Sei que sonho com isso desde criança. Que me daria um tremendo consolo, saber que parte de mim permanece viva, depois de eu morrer.
Sei que quando escrevemos há uma parte de nós que se redime e outra que se vinga.
Quis escrever um livro para diminuir o meu pai, para dar uma explicação lógica à irracionalidade aa minha mãe, no fundo, criei um lugar para todas as minhas personagens, para que a minha trágica infância tivesse o lustro da significância. Não suporto pensar que estar vivo seja apenas viver. Fico dilacerada por existir, reproduzir e sumir.
Acho a vida uma dádiva merece de nós mais empenho.
Achei que amadurecendo, ficaria mais brava, que teria o brilhantismo de me atirar à folha branca e fazer dela prosa. Falhei.
Já estou quase na meia vida e ainda tento escrever O livro.
Neste emaranhado profundo de histórias, sai me tudo concentrado e curto, não me consigo adensar na narrativa, da mesma forma que não me enterrei na minha história. Não me dou permissão para morrer duas vezes.
Talvez não tenha em mim, essa capacidade regenerativa que separa os grandes homens do vácuo da mediocridade.
Não gostei de ser pequenina. O medo persegue-me.
Não posso sair daqui senão sobredimensionada por vocês, que tiveram a coragem, ou a morbidez, de olhar o meu vazio e permanecer. Vocês, que me fermentam no tempo que me consignam à vossa leitura. Aí, Existo de novo. Cresço.

Nos livros existe sempre a esperança de sermos um caos inatendível. Que nos decifrem para além de nós.
Para vocês que me perguntam, sempre, com carinho: O livro Isabel?

A Isabelinha responde que já escreveu um, que serviu de alimento aos intestinos da alma e está sempre a ser impresso no carácter, às vezes com borrão outras vezes com pouca tinta.

E o outro, está a crescer bem e com saúde, num generoso percentil 95, sem definição de sexo mas já muito orientado para os pontapés da vida.