Carta que nunca

Podia averiguar isto em constelações familiares, mas a minha verdadeira vontade, é lidar com isto à antiga, e aviar-te uma sova. Cansei da gramática da parentalidade. Com este feitio, só me apetece fazer rewind e convertê-la novamente numa hipótese por concretizar, um ovulo avulso esquecido nas prateleiras das trompas .

Podem dizer que a culpa é minha, provavelmente será. Os filhos são sempre a culpa que deles fizermos. Mas eu sinto-me cansada e sem motivação para embalar as emoções negativas que isto me produz. Já te olho sem ternura, um amontoado de células, um peso de carne, uma aposta sem retorno, um jogo que já perdi.

Ninguém nos deixa falar disto com pulmões honestos, porque um filho é um trabalho de devoção e resiliência. Não podes mandar a loiça ao chão, sacudir a vontade, nem mandá-los chamar mãe a outra qualquer.

Que desatino, que dependência, que escravidão.

Se ao menos nos deixassem falar abertamente da miséria disto tudo. Aliviar a pressão de ter dado ao mundo fraco contributo, num planeta em sobre população. Que porra. Até me doem os ossos, sinto as contracções do universo a puxarem-te para dentro, ou partes tu, ou tenho que me parir outra vez, noutra espécie de mãe que não sou eu.
Uma mulher de útero virgem e uma cabeça cheia de sonhos.

Preciso de uma quota parte de ONG, para acolher estes refugiados que reclamam que sou sua mãe. SInto-me, num insuflado furado numa travessia oceânica, tenho sede, estou à deriva. Quero chegar a uma terra onde ninguém chama por mim, anónima como uma parede suja, uma morada curta, onde possa ser gente outra vez.

E não me acalmem, que eu posso ao menos desejar, que arda. Que arda forte até que as cinzas prometam um amontoado de outra coisa qualquer.
Não é daí que tudo renasce?

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